Resiliência! É esta a palavra que uso para descrever toda esta aventura pela GR 50 Peneda Gerês.
Partimos risonhos e receosos. O S. Pedro não dava boas notícias sobre a semana que aí se avizinhava. Saímos da Ameijoeira com o objetivo de percorrer 200 km e chegar a Tourém 8 dias depois. Vivemos as 4 estações nestes dias, sol, chuva (por vezes muita chuva), calor, frio (por vezes muito frio). Mas também assistimos ao verdadeiro esplendor da natureza!
Ameijoeira – Castro Laboreiro – Lamas de Mouro – 16 km
Partimos da Ameijoeira e o sol escondido dava ar da sua graça e a esperança de um dia soalheiro. Não choveu, contrariando as previsões.
Chegámos a Lamas de Mouro, onde tivemos uma bela receção de uma família numerosa de cavalos selvagens, e acampámos. Etapa fácil de 16 km e de aquecimento para os dias que se seguiam.
Lamas de Mouro – Peneda – Adrão – Mezio – Vilar de Suente – 33,41 km
Madrugámos, pois o frio não deixou dormir, a chuva caía certinha e a vontade de desmontar a tenda era pouca.
A segunda etapa começou com chuva, mas muita chuva, daquela que não há impermeável que resista. Chegámos à Peneda e a única questão que se impunha era se íamos conseguir concluir a etapa que estava prevista, afinal de contas eram 33 km e a chuva não dava tréguas. A chuva persistiu durante 6 horas, mas nós não demos parte fraca.
Finalmente, ao chegar ao lugar de Adrão, fez-se sol, o dia transformou-se e nós tínhamos de aproveitar aqueles raios quentes! Parámos literalmente no meio de uma estrada, atirámos fora os impermeáveis e deitámo-nos no chão, qual sardaniscas ao sol. É possível que tenhamos ficado ali uma hora a descansar… E como depois da tempestade vem sempre a bonança, terminámos o dia com um magnífico arco-íris no final da etapa, Vilar de Suente.
Vilar de Suente – Soajo – Lindoso – 28, 45 km
Terceiro dia. Acordei com a sensação que tinha sido atropelada por um camião. Doíam-me partes do corpo que nem sabia que existiam. Duvidei das minhas capacidades, mas o corpo humano tem uma capacidade de adaptação incrível. Mochila às costas e seguimos caminho.
Como não queríamos andar carregados íamos comprando e cozinhando todos os dias.
Quando fazemos um trekking de vários dias devemos ter atenção aos locais onde dá para comprar mantimentos, dado que a maioria das aldeias não tem minimercado e muito menos restaurante.
Ups, alguém se esqueceu de estar atento e ver se para este dia havia minimercado e já estávamos a chegar ao destino final quando nos lembrámos. Salvou-nos um restaurante em Parada (uma aldeia mesmo antes de chegar a Lindoso). Juro que pensei “Ainda bem!”, porque eu nunca comi um bitoque tão bom como naquele dia (ou era a fome a falar por mim?).
Tínhamos planeado passar esta noite num abrigo de montanha, mas as pernas (pelo menos as minhas) já não permitiam mais andamento, e se às vezes parece que estamos a falhar no objetivo, então este foi um belo de um falhanço, porque dormimos que nem reis e rainhas com vista para o Castelo de Lindoso.
Lindoso – Ermida – Germil – 20,75 km
O nevoeiro pairava sobre o castelo, ainda espreitei a ver se via o D. Sebastião, mas em vez disso apareceu um amigo canino mesmo à saída de Lindoso, à beira de um portão. O difícil que foi passarmos sem o cão… Qual o nosso espanto ao pensarmos que tínhamos concluído com sucesso a missão de deixar o patudo na terra dele quando passado uns minutos ele aparece atrás de nós com aquele ar feliz de quem vai explorar o mundo! Batizámo-lo com o nome da terra onde o encontrámos, Lindoso, e foi a nossa alegria do dia.
O dia abriu, o céu azul pintado pelos estratocúmulos substituiu o denso nevoeiro e nós fomos subindo com a vista sobre a Barragem do Alto-Lindoso a fazer-nos companhia. Mas as nuvens já andavam a ameaçar desde o início da tarde e a pouco mais de 4 km para o fim da etapa começa a cair uma chuvinha bem ligeira. Tão ligeira que achámos que nem valia a pena tirar os impermeáveis da mochila – grande erro! – porque a chuva torrencial veio repentinamente e nem deu tempo para mais nada. O Lindoso parecia ser o único a desfrutar daquele imenso temporal.
Chegados ao abrigo valeu-nos a salamandra para aquecer e secar a roupa. O Lindoso ficou lá fora. Antes de nos deitarmos ainda demos uma vista de olhos à sua procura, mas parecia que já tinha ido à vida dele.
Germil – Campo de Gerês – Gerês – 29,21 km
Novamente dia cinzento. Conseguimos escolher a única semana do mês de Abril em que praticamente choveu todos os dias!
Abrimos a porta do abrigo prontos a iniciar o novo dia, e para nossa admiração, lá estava o Lindoso a dar-nos os bons dias. Seguimos, na expectativa.
Esta foi a etapa que se encontrava em piores condições, tanto na sinalização como na limpeza de terreno. Tinha ardido entre Brufe e a Carvalheira e não havia qualquer sinalização, nem trilho definido, pelo que fizemos corta-mato até voltarmos a descobrir o trilho sinalizado (talvez passado uma hora e com ar de quem tinha saído de um churrasco).
Outra desilusão foi o troço que se localiza mais ou menos entre a casa do guarda de Junceda e o miradouro da Fraga, que está completamente dominado por espécies invasoras, nomeadamente acácias. É uma pena que uma paisagem que devia de ser tão natural esteja a ser modificada a olhos vistos, com consequências ainda maiores se não houver intervenção.
Concluída a jornada, estávamos então com um problema. O nosso amigo Lindoso continuava connosco, e estava visto que continuaria pelos dias seguintes. Cada vez ficava mais longe de casa e, quer querendo, quer não, nós sentimo-nos responsáveis por ele, pelo que na Vila de Gerês decidimos ligar para a GNR. Daqui não veio ajuda, mas em conversa com os locais, deram-nos o contacto de um GNR que nos ajudou a resolver a situação. Conseguimos contactar o dono do Lindoso, que o viria buscar no dia seguinte.
Gerês – Ermida – Fafião – Pincães – 27,44 km
Dormimos num hotel nessa noite, e não vão acreditar se vos disser que, quando abrimos a janela, lá estava o Lindoso à nossa espera!
Pedimos para o prenderem. Tínhamos de seguir caminho e ele não podia vir connosco. Do sítio onde estava, ele não nos via, mas no preciso momento em que saímos da porta do hotel, ouvimo-lo a latir, como se soubesse que estava a ser deixado para trás. Foi um momento bastante triste. Aquele cão é especial…
Seguimos para aquela que para mim é das etapas mais bonitas da GR 50. Por entre, bosques, rios e cascatas, passámos por rebanhos, subimos e descemos declives acentuados. A urze pintava a serra e dava-lhe aquele toque de beleza única.
Nessa noite, acampámos no Parque de Campismo de Pincães. Se havia noite fria, era aquela. Vesti toda a roupa que tinha, nem os braços conseguia dobrar e ainda assim tive frio. Na verdade, é o que dá levar um saco cama de verão para temperaturas de 0º. Não experimentem, porque não é divertido.
Pincães – Cabril – Sirvozelo – Fiães do Rio – 26,05 km
Mais um dia acompanhados pelo elemento água.
E se no momento da construção de uma barragem há muitos opositores, poucos são os que não se deixam maravilhar com as belas albufeiras que se criam. É o caso da Albufeira de Salamonde e a Albufeira de Paredes.
Outro ponto fantástico nesta rota são as pessoas e a sua amabilidade. Chegámos à aldeia de Paradela e tínhamos de pensar no jantar. Já ninguém queria massa com atum… Parámos, então, num café, e quase desmaiámos de alegria quando a dona nos disse que iria fazer-nos o jantar, mas um jantar a sério! Nada de sandes ou cachorros. Jantámos um belo de um frango caseiro estufado com arroz, acho que o melhor que comi na vida, nem o molho sobrou. A juntar ao melhor bitoque, confirma-se que na GR 50 é onde se come bem!
Fiães do Rio – Outeiro – Pitões das Júnias – Tourém – 28,15 km
Última etapa, e por ser a última o corpo já acusava muito cansaço dos dias anteriores.
Até Pitões das Júnias fui o caminho todo com vontade de deixar a mochila para trás, já nem estava a desfrutar em condições do percurso, e olhem que era bem bonito. Aquela última subida até Pitões, que num dia normal seria uma subida como qualquer outra, foi uma tortura. Por breves instantes achei que não ia conseguir acabar a GR 50 Peneda Gerês. Que estupidez. A 12,5 km do final, nem que fosse de gatas!
Parámos para almoçar. Para sobremesa fomos comer a famosa bola de Berlim, mas nem isso me deu a energia que precisava. Foi preciso chegar ao marco 67, que divide a fronteira entre Portugal e Espanha, para ganhar outra vida. Aquela paisagem fez-me renascer.
Seguimos pela parte espanhola da GR 50 Peneda Gerês e atingimos o Alto do Pisco. Se já tinha ganho ânimo lá em baixo, quando ali chegámos renovei completamente energias. O cansaço sumiu, como se estivesse a começar um novo dia. Que paisagem! Se por um lado o trilho em si parecia desinteressante por ser um estradão, por outro lado se há trilho que vale a pena ser feito pela paisagem que nos envolve é este. Foi sem dúvida o meu troço favorito de toda a rota!
Chegámos finalmente a Tourém. Imperava aquela felicidade de termos cumprido o objetivo a que nos propusemos, mas ao mesmo tempo uma certa tristeza por termos de sair daquela bolha e voltar à realidade.
De tudo o que esta rota me proporcionou, sem dúvida o melhor foram as pessoas que fomos encontrando pelo caminho. De uma amabilidade sem igual, super genuínas e acolhedoras… Ainda há muita esperança na humanidade!
Não foi de todo uma jornada fácil, foram caminhos feitos de lágrimas e gargalhadas, irritação e alegria, mas uma coisa é sempre certa, no fim do dia, a beleza do caminho e as pessoas que nos acompanham compensam todas as adversidades. Obrigada aos meus companheiros de aventura!
E um agradecimento especial aos meus bastões, sem eles eu não era nada!
Obrigada Joana!