Odemira marca o início de muitas rotas em BTT e eu já estava com vontade de voltar ao Pêgo das Pias. Algo me dizia que iria ser cá uma volta. Aqueles montes não enganam ninguém!
A saga pela Rota Vicentina continua, desta vez ao longo do Caminho Histórico, explorando terras do litoral alentejano mais para o interior.
Difícil, dizia a ficha técnica, e eu sem pegar na bicicleta há já 2 semanas.
Começo junto ao Rio Mira, sedutor nas suas curvas.
Nota para o futuro: Não me posso esquecer de alugar um kayak em Milfontes e subir o rio até Odemira ainda este Verão.
O dia estava limpo, o sol das seis da tarde a lançar aqueles raios inebriantes sobre os campos dourados.
Não demora muito para chegar a terra batida. A picadinha de início não é violenta, mas é longa, e eu sigo sempre acompanhada pela marcação do trilho na Serra. Supunha-se que não haveria muita margem para enganos desta vez. Suposições!
As margens do rio Mira prosseguem à minha esquerda, sempre a subir. Uma hora depois eu ainda não sinto o track difícil e sigo ingenuamente orgulhosa, ainda sem os bofes de fora e ainda encantada com as cores do entardecer, mas algo apreensiva com a progressão lenta.
“É possível que tenha que pensar num plano B para o regresso…” – conjeturo. – “Pelo menos, desta vez, tenho comigo a luz traseira da bicicleta e um frontal.”
Chego finalmente ao final da subida, entrando agora numa paisagem mais fechada, o rio Mira já noutra direção e longe da vista. O trilho é finalmente a descer, em direção a um dos seus afluentes, a Ribeira do Torgal, até à praia fluvial do Pêgo das Pias, a meio caminho. Depois de tanto tempo a dar à perna, descer a pique e embater com a cara de frente no vento é tão bom…
Atravesso a nacional e entro novamente em trilho. Deste lado da Serra não se sente o calor do sol, que desce rumo ao horizonte escondido pelos montes. A paisagem é mais sombria, a vegetação densa e entrelaçada e agora é novamente a subir. Vai doer, e eu ainda tenho duas paredes pela frente… “Vai ser impossível chegar à luz do dia.”
Vou tão embrenhada na minha apreensão que não percebo que o caminho se afasta cada vez mais da ribeira e, portanto, do Pêgo das Pias. Passo a derivação por mais 2 ou 3 quilómetros e quando percebo o erro torna-se óbvio que tenho uma decisão importante a tomar. Ou sigo o trilho oficial, pelo meio dos montes já noite adentro, ou volto para trás até ao desvio, dou um salto ao Pêgo e regresso a Odemira, desta vez pela nacional. Volto a bicicleta para trás. Antes fazer uma estrada que já conheço ao luar, do que andar pelos montes a rezar para que as luzes não me falhem. Além disso, pedalar por um track cujo nome é “Pêgo das Pias” sem por lá passar, simplesmente não me parece bem.
Segunda nota para o futuro: trazer luzes sobresselentes.
O caminho para a praia fluvial é encantador. Nunca visitei este lugar fora da época de Verão, pelo que encontrei sempre a ribeira com pouco caudal e um tapete de folhas por onde meses antes a água fluía. O trilho segue cheio de lombas e tal parece dever-se aos jipes e carrinhas que por ali se aventuram. Muitos optam por ficar pelo caminho, estacionam e acampam à beira da estrada, e alguns deixam ainda um rasto de lixo para o Inverno arrastar com as águas das chuvas. É, portanto, um lugar que visito sempre com um misto de emoções.
É de facto peculiar, um pequeno canhão geológico de impressionante beleza e com uma sonoridade única a ecoar por todo o lado e que nos leva a assumir uma postura algo contemplativa. A paisagem não é vasta logo de início e é preciso munir-nos de algum sentido de aventura para avançar e descobrir cada curva sinuosa e buraco daquela ribeira – e são mergulhos a pique que metem respeito a qualquer um. Desta vez não fui além para não me atrasar mais ainda, mas numa próxima vez trago novos ângulos para partilhar.
Terceira nota para o futuro: voltar aqui pelo amanhecer. Deve ser qualquer coisa de fantástico…
Com muita honestidade, o único desconsolo deste lugar é “o cheiro a casa de banho” por detrás de cada pedregulho e as camadas de papel higiénico sujo por onde tropeçamos. São dezenas de metros de absoluta desolação, o que é sempre inacreditável de registar nos dias de hoje, com tanto tema ambiental e da sustentabilidade a entrar diariamente pelas nossas casas.
A noite vem aí, confirmo pela qualidade da minha última fotografia sem a luz ideal. Preparo-me para regressar, com um frontal de cabeça improvisado no guiador da bicicleta #MacGyver2021. Pela nacional o caminho não é longo, mas é melhor continuar a prevenir.
Depois de horas a lutar contra pó e pedras, deslizar pelo tapete de alcatrão em curva e contracurva é um daqueles momentos zen, mesmo sendo a subir. A noite cai à minha volta e não partilho a estrada com mais ninguém. Não há iluminação, com exceção da minha. Não há som, com exceção do barulho das rodas a rolarem na estrada e das aves noturnas a piar à minha volta. A lua dá o quarto crescente e o último quilómetro é a descer, até chegar novamente às margens do Rio Mira em Odemira e fechar, assim, mais uma rodada em BTT pela Rota Vicentina.
Adoro esta terra!
Encontra o track da rota BTT Pêgo das Pias aqui.