A última Aventura Hikers Portugal, por terras de cabras e de lobos, teve lugar em Covas do Monte, uma aldeia de uma beleza inestimável na Serra da Arada.
Fomos por caminhos de cabras e do lobo-ibérico até lugares que ecoam histórias do passado, escutando o latido dos cães de gado nos montes e acompanhando a labuta dos aldeões pelas primeiras tardes de Outono.
Este evento contou com a colaboração do Grupo Lobo que nos apresentou a comunidade, colocou-nos em contacto com os produtores locais e partilhou connosco informação sobre o lobo-ibérico que ainda está presente na região.
Os Amigos de Covas do Monte
Já passava das 9h30 quando chegámos à Associação dos Amigos de Covas do Monte.
Ansiosos pelo conforto de um café, chamámos a D. Amélia da porta. Ela esperava por nós e recebeu-nos com um sorriso na cara. De imediato tratou de nos sentar na sala e de satisfazer os nossos desejos, e ao mesmo tempo que dispunha as chávenas do café diante de nós, perguntou-nos logo o que queríamos para o jantar. Viva! A alegria veio por antecipação. Afinal, estávamos em Covas do Monte e a sua afamada gastronomia local com os seus enchidos e carnes de qualidade não nos deixava indiferentes.
O Trilho do Morto que Matou o Vivo
Esperava-nos um belo desafio e não havia tempo a perder se queríamos chegar a horas do jantar.
A aventura do primeiro dia leva-nos a Covas do Rio e à Aldeia da Pena, duas aldeias recônditas e unidas por um percurso pedestre que é tão duro quanto belo.
Efetivamente, o Trilho do Morto que Matou o Vivo parecia ser a designação que o PR4 Rota da Cabra e do Lobo deveria ter. Quem o afirmava eram as pessoas da aldeia, apontando o verdadeiro caminho de cabras a subir a montanha mais a sul.
A sua origem remonta aos tempos em que se transportava um defunto da Aldeia da Pena ao único cemitério em Covas do Rio. A história conta-nos que, desencadeado por uma queda, o seu caixão deslizou sobre um dos homens que seguia à frente, acabando por o ferir mortalmente.
Mas voltando aos dias de hoje…
Em primeiro lugar, subimos, absorvendo todas aquelas vistas das cumeadas com as cabras a pastar no vale. Depois descemos, caminhando sobre um tapete de castanhas num anúncio claro ao Outono.
Covas do Rio deu-nos guarida de uma chuva miudinha à beira da Igreja, abrigados debaixo de uma macieira. O local com vista para a soberba Livraria da Pena era perfeito. Ou seja, o salpicão, as fatias de pão tradicional, as sandes de presunto, os tomates e as sardinhas enlatadas saltaram logo das mochilas. Para a sobremesa namorámos as maçãs Bravo de Esmolfe que pendiam sobre as nossas cabeças.
Assim que retomámos a marcha, entrámos numa densa floresta que desvendava escadarias esculpidas, paredes de escalada e cascatas sonantes. Tal qual o mundo do imaginário, este trilho épico encaminhou-nos para a entrada dos fundos da mítica Aldeia da Pena.
Tradições
Ali a viagem teve outro sabor, em parte devido ao movimento turístico de um típico domingo.
Definitivamente, o contraste com Covas do Monte era grande. Na Aldeia da Pena não se sentiu tão bem a dinâmica em torno das necessidades dos seus poucos habitantes. Em contrapartida, o foco parecia dirigir-se mais às pequenas multidões que visitavam a aldeia em busca de uma experiência do passado.
Nesse meio tempo, enquanto absorvíamos o charme das suas ruas mais mexidas que uma avenida, refletimos sobre o desafio que era preservar a autenticidade de uma aldeia. Por outro lado, ali estávamos nós, revivendo de alguma forma tradições ancestrais imbuídas no presente.
Pensamentos de parte, colhemos as últimas amoras silvestres e figos do ano antes da derradeira subida. Desta vez, não haveriam paragens, mas unia-nos uma motivação comum – o afamado jantar da D. Amélia!
Chegámos, por fim, cansados e esfomeados, a pensar no cabrito, nos deliciosos rojões e na carne de vitela grelhada na brasa. Vivia-se um calor familiar na antiga escola onde agora tem sede a Associação da Aldeia, o único restaurante e ponto de encontro das suas gentes. Era mais um dia de trabalho no campo que chegava ao fim.
Com efeito, aquecidos pela lareira acesa e pela alegre conversa regada a vinho nas mesas do lado, fizemos o brinde ao primeiro dia de uma grande aventura por terras de cabras e de lobos.
Já era tarde quando nos despedimos de todos e fomos a cambalear pelas ruas escuras da aldeia, cruzando com algumas cabras e bodes que dormitavam no beiral das portas dos currais. Próximo, um dos cães montava guarda em cima de um trator ali largado e uma vaca mugia ao longe. Assim adormecemos e só acordámos ao amanhecer do dia seguinte com uma leve chuva a cair sobre as tendas.
A Malhada do Milho
A chuva tão depressa veio, como se foi embora, e com ela foi também a neblina matinal.
Por esta altura, o Filipe estava já à nossa espera para darmos conta de quatro canastras com ele e nós ainda a lutar para ferver a água do café.
Portanto, esperava-nos uma aventura diferente e um dia de trabalho na malha do milho. Isto porque o milho alimenta os animais durante o Inverno, dos caroços das espigas também se faz carvão e do pó e do bicho que ataca o grão enche a galinha o papo. Deste modo, tudo rende e tudo é reutilizável em Covas do Monte.
Em suma, mete as maçarocas na saca, acarta a saca às costas, bota na malhadeira, separa o milho, pega no balde, reserva na loja… volta e repete tudo de novo. Fizemos, assim, a festa da malhada de manhã (quase) à noite e cá estamos para contar a história.
Mais do que uma experiência, foi um dia de trabalho colaborativo junto de uma família que tem os dias contados num ano para realizar as suas tarefas sazonais. As condições meteorológicas ditam o ritmo e tempo é coisa que não sobra. Foi duro, mesmo duro. Mas gratificante, e também emotivo. Assim se criam laços fortes.
Celebrámos o dia inteiro com um almoço improvisado no terreno, chouriça assada, broa e vinho doce para o lanche e generosas travessas de carne grelhada e batata frita caseira ao jantar. “- Era mesmo o que nós queríamos D. Amélia!”
À nossa!
O Pastoreio das Cabras em Terras de Lobos
Desta vez choveu toda a noite, mas a malta foi corajosa e ninguém quis acionar o plano B. Na verdade, estávamos tão acabados, que nem um trovão nos iria acordar. Dormimos que nem anjos embalados pelo céu a cair e levantámo-nos demasiado tarde para quem tinha de arrumar a tralha e preparar-se para o último dia.
“- Estamos vivos?” (a pergunta foi quase uma exclamação)
“- Estamos ótimos!” (é só gente rija!)
O serviço coletivo para o último dia era com as cabras. Covas do Monte é talvez das únicas aldeias que preserva a tradição de um rebanho comunitário que todos os dias se junta à mesma hora e é guiado por um pastor que se reveza a cada dia.
Sorte que a chuva atrasou o nosso trekking, e também o das cabras, sobrando ainda tempo para folhearmos as páginas de um livro composto por um registo fotográfico da vida da aldeia. Enquanto esperávamos, a D. Amélia explicava-nos como eram os dias do antigamente.
Desta forma, já passava das 11h00 quando seguimos todos serra acima com a Juliana a marcar o passo.
A Juliana é uma cadela descendente de cães colocados em rebanhos da região no âmbito do Programa Cão de Gado. Este é um Programa desenvolvido pelo Grupo Lobo que pretende ajudar a diminuir os ataques de lobos aos rebanhos e, assim, aumentar a tolerância das comunidades em relação à presença do lobo, contribuindo para a conservação desta espécie.
Ainda conseguimos visitar a ninhada da Juliana e enamorámo-nos por aquelas bolas-de-pelo que serão em breve portentosos cães de gado. Segundo consta, um deles irá manter-se na aldeia, sendo os restantes colocados em rebanhos noutras comunidades, dando-se assim continuidade ao Programa.
A Aldeia Mágica
De Covas do Monte também se vai a Drave, e este é talvez o caminho mais espetacular para chegar à Aldeia Mágica. É uma subida exigente, para fazer devagar e com as devidas pausas para admirar a aldeia embrulhada na neblina. Além disso, todo o cuidado é pouco com o piso molhado.
Dali chegámos ao ponto mais alto, 988 metros, para depois descermos novamente. Seguimos com a aldeia de Regoufe à direita, Drave a espreitar à esquerda e a Serra da Freita em diante. Cada um destes lugares condecorados com uma Aventura Hikers Portugal em dias idos.
É indiscutível. Chegar a Drave é sempre encantador. Com os olhos postos na aldeia desde o cimo da serra aproximamo-nos das suas ruínas desertas com o som do ribeiro a cair de cascata em cascata.
Pretendíamos tirar a barriga de misérias junto ao campo dos escuteiros e abrir a época dos banhos de Outono numa das lagoas mais afastadas da aldeia. Especialmente porque, após as duas da tarde, o sol levantara o manto de neblina por completo e até fazia um calor agradável. Tal qual se previa, ninguém se acanhou e fomos todos ao banho para encerrar em beleza uma aventura por terras de cabras e de lobos na Serra da Arada.
Uma Aventura por Covas do Monte
Em resumo, a última subida até Regoufe, o regresso a Covas do Monte, a despedida de uma aldeia calorosa e a promessa de um regresso para breve. Foram três dias que pareceram uma semana. Muitos trilhos desbravados, paisagens de sonho desencantadas, relações fortalecidas, trabalhos e objetivos cumpridos. Também ficaram outros desafios por atingir, o Trilho dos Pastores e a queda de água da Ribeira de Deilão. O que significa que mais haverá para breve.
Uma Aventura por Covas do Monte é uma série para dar continuidade, é um projeto com a comunidade e que nos pode levar a explorar outros caminhos. O Grupo Lobo lançou-nos o desafio e nós ainda agora começámos. Quem nos segue na próxima?
E como não poderia deixar de ser, lançamos-te o convite para conhecer mais sobre o Grupo Lobo e dos seus projetos aqui.
Esta foi uma Aventura que contou com a participação de Andreia, João, Micael, Mara e Pedro, que gentilmente cederam as fotos e o vídeo que aqui partilhamos. Obrigada por terem partido à descoberta connosco!