Tínhamos um percurso de dois dias pela frente, com rios e serras de Arouca Geopark por desbravar e alguns trilhos oficiais que ligavam segmentos mais bravios que queríamos conhecer.
Dia 1 | Rio Paivó
A nossa aventura começou no Covelo de Paivó. Fato de banho debaixo do equipamento de trekking, ténis antiderrapantes e bastões de caminhada foram os essenciais para este fim-de-semana.
Em Agosto, e numa altura em que Arouca está na moda com os Passadiços e a nova Ponte, tentámos fugir dos locais mais badalados. A sorte brindou-nos. Éramos só nós e o rio, as lagoas e nós, pelo menos até chegarmos à capital do Canyoning, o Rio de Frades, isto só lá para as seis da tarde.
Mas vamos retroceder ao início desta Aventura, cerca das dez da manhã, umas cinco horas após sairmos de casa. Dissemos adeus ao carro estacionado no topo da aldeia e fomos em direção ao rio Paivó. A missão era entrar dentro do rio e iniciar a subida até à interseção com o rio de Frades.
Todos ali estávamos cientes da probabilidade elevada de termos que desistir da expedição a meio, dar meia volta e fazer o caminho todo pela estrada. Mas todos também sabíamos que para isso acontecer, era preciso a Terra parar e completar o movimento de rotação e translação ao contrário umas quantas vezes. Dizem que para a frente é o caminho…
A existência de trilho não era muito óbvia e anunciava sinais de pouca passagem, o que nos forçava ora a levar uma remessa de silvas à frente, ora a progredir lentamente pelo leito escorregadio, a mochila ao nível da cabeça e os bastões submersos.
Foram quase 3km, em curvas e contracurvas, que levaram uma tarde inteira, e a culpa também foi dos banhos selvagens que se sucediam uns atrás dos outros por lagoas secretas e pelos corredores mais profundos no rio.
Longos e preguiçosos são os dias de Verão, não é verdade? Ali nenhum de nós tinha horas, pelo que nos despedimos do último banho por volta das cinco da tarde numa lagoa de vinte metros de diâmetro que ficou por batizar. Dali já não havia forma de evitar o alcatrão da estrada serpenteante que nos iria levar à aldeia de Rio de Frades.
Agosto 2021, Rio de Frades está na berra e o bar da zona rebentava pelas costuras. Local de encontro dos grupos de Canyoning que terminavam a sua descida do rio, as conversas fluíam nas poucas mesas corridas sobre o vale e espalhava-se pelos restantes lugares em pé e também pelo pó da estrada de quem optava por se sentar no chão. O espaço era humilde e o ambiente crescia descontraído e alegre, e foi nesta troca festiva de impressões que encontrámos o António do ECDC Portugal.
ECDC é uma associação sem fins lucrativos cuja missão é a promoção do Canyoning como desporto aventura na região e por todo o território nacional Português. Acontece que a sede do Clube era o Base Camp desta nossa jornada aventura por Arouca Geopark e que nos aguardava em linha reta a subir o Rio de Frades até Cabreiros, pelo que foi com bastante entusiasmo que demos de caras com esta equipa e que pudemos deixar os nossos agradecimentos de uma forma mais pessoal. A comunidade outdoor é mesmo uma Aldeia.
Frescos como umas bejecas, estávamos prontos para seguir caminho até Cabreiros. Se alguém aqui conhece o Trilho do Carteiro, sabe com certeza a dramática subida que nos esperava. Subimos com as minas desativadas de um lado e o vale e as suas quedas de água sonoras do outro. A vista? Fenomenal.
À medida que o suor corria em cascata e o cansaço se apoderava dos músculos das pernas, a ideia de um carteiro a trocar recorrentemente correspondência entre as aldeias de Tebilhão, Cabreiros e Rio de Frades parecia quase disparatada, especialmente no Inverno, e relembrava-nos o quão cómoda e facilitada é a nossa vida hoje em dia.
Chegámos, por fim. O sol descia lentamente no horizonte cobrindo as espigas com raios dourados. Um cenário cheio de romantismo depois de um dia tão duro (pobre do carteiro).
A nossa Base esperava-nos como uma miragem paradisíaca. Renascida da antiga escola da aldeia, a sua simplicidade e autenticidade encantaram-nos de imediato. Tínhamos uma cozinha, casa de banho, uma sala polivalente e, quando contornámos a casa por fora, o que fomos nós encontrar? Dois chuveiros exteriores panorâmicos, modelo Filipinas. E se espaço não faltava para montar o barraco no exterior, não esperávamos descobrir um ou dois pares de colchões impermeabilizados e arrumados a um canto, champô, pratos, tachos, atum e arroz dentro dos armários.
Impressionou-nos esta ideia colaborativa de repor o que usamos e assegurar a limpeza para o próximo grupo. Era mais do que aquilo que poderíamos vir a precisar. Muito obrigada ECDC Portugal!
Pode-se dizer que comemos e dormimos, dando o dia 1 por concluído.
Dia 2 | Serra da Arada
O dia podia ter amanhecido com menos preguiça, não fosse não nos termos levantado às quatro da manhã no dia anterior. Acordámos vergonhosamente tarde e o dia não era menos exigente, mas já tínhamos decidido de véspera fazer batota. Shhhhhh…
Parte do percurso era em estrada pavimentada, logo não nos custou tanto aproveitar boleia até ao Retiro da Fraguinha, um parque de campismo perdido nos píncaros serranos e que nos aproximou da Serra da Arada para a grande aventura do dia – o Trilho dos Incas.
Alinhados no objetivo, acompanhámos a levada por um corredor de fetos por terrenos fronteiriços entre a Serra da Freita e a Serra da Arada. Ao final de dois quilómetros a paisagem suave e verdejante, tornava-se agora mais geológica, com afloramentos lajeados, fragas e desfiladeiros a pique.
O Trilho dos Incas é de longe e de perto uma prova de majestosidade da Serra da Arada e, sem aviso prévio, chegou e reinou. É como subir uma escadaria que remonta à ancestralidade dos tempos, acompanhando as íngremes veredas da serra num ato de testemunho divino.
O trilho é o nosso palco. Caminhamos, corremos, escalamos, exploramos rios e subimos montanhas porque é aquilo que gostamos de fazer e porque buscamos uma conexão com a Natureza e connosco próprios, e fazemos esta partilha pessoal com quem compreende aquilo que nos realiza e nos faz feliz. Quantas vezes nascem amizades no meio trilho e à despedida parece que nos conhecemos a vida inteira? Não é por acaso que somos uma comunidade, e foi à sombra de uma imponente laje que confirmámos já ter todos os sinais de quem partilha uma história em comum.
Seguimos de novo caminho, desta vez a descer pela Garra. Drave aninhava-se secretamente no meio das montanhas a Este e Covelo de Paivó espreitava a Noroeste, a sua senda costurando a soberba escarpa até Regoufe. Mesmo sob um calor a roçar os quarenta graus, era impossível resistir à beleza enigmática daquele conjunto de serras.
Fomos, claro, novamente a banhos num espelho de água em tons esmeralda que descobrimos na base da montanha, após uma descida aos tropeções por centenas de metros verticais entre pedra e cascalho. Pensávamos nós que subir era um desafio…
Todo o Arouca Geopark é uma Caixa de Pandora. Ficou em lista de espera uma cascata que vislumbrámos pelo canto do olho, cujo acesso não descobrimos. Ficou o canyoning apalavrado pelas lagoas do Rio de Frades. Ficou a Senda do Paivó também a despertar a curiosidade.
Um fim-de-semana dá para muito, e não dá para quase nada, tal é a vastidão e a diversidade do que há para explorar nesta região. Optámos por fazer as pazes com os desafios que ficaram por atingir e por selar as nossas promessas solenes na doce Confeitaria de Arouca.
Amém.
Esta foi uma Aventura Patreon para conhecer finalmente uma parte do grupo. Venham mais!