Há aventuras danadas de boas!
O desenho do programa na Serra de Montemuro estava todo feito para um dia, mas quis Cinfães acolher-nos pelo fim-de-semana inteiro.
Montemuro é uma serra criteriosa que nos abre as suas míticas portas a 1220 metros de altitude, mas nós demos início à nossa Aventura bastante mais abaixo, em Tendais, junto ao bispo D. António Francisco dos Santos que nos abençoou na partida.
Os cumes sucessivos estendiam-se em diante, convidativos a uma subida constante e prolongada, mas a malta era rija e comia desafios ao pequeno-almoço.
Entrámos pelo vale, sempre ladeados por correntezas sonantes que nos lavavam ora os pés, ora a alma. O céu não dava ares de chuva. Quanto à neblina, nem se via.
Foi só lá para os lados de Aveloso, uma aldeia sobranceira ao vale, que encontrámos gente. Entre dois dedos de conversa com os habitantes que aqui resistiram, e um par de dentadas na merenda do meio da manhã, fomos assaltados por um descomunal filhote de cães de gado que nos acolheu com meio litro de baba e mais quilo e meio de mimo. A notícia que circulava pela boca do povo era de que naquela manhã, o malandro, tinha trocado a vigia do pasto pela boa vida.
Por fim, a verdadeira senda dos pastores era já ali ao virar da esquina, como quem queria escapar aos estradões das eólicas que rompiam a serra. Os olhos começaram a brilhar. Agora é que iam ser elas.
Seguimos num sobe e desce pelas zonas mais remotas da serra em passada curta e lenta. Pulámos, galgámos e apreciámos aqueles maciços graníticos. Pouco depois, ali estavam elas. As beldades da raça arouquesa tilintavam de caminho, enquanto se afastavam lentamente com o olho de lado naqueles novos pastores que só sabiam tirar fotografias. É só modernices…
Eis, então, que nos aproximámos do topo e avistámos ao longe São Pedro do Campo e a sua silenciosa e solitária capela. Estávamos a 1100 metros e o vento não tirava um cabelo fora do sítio. Lá abençoados fomos mesmo, mas ainda não sabíamos.
O senhor Fernando e a sua família esperavam-nos para uma calorosa receção como quem aguardava por amigos de longa data e preparara um grande festim para a celebração. Desta feita, travessas de barro assavam no forno antigo, deixando escapar inebriantes aromas que faziam crescer água na boca. “Isto é tudo para nós, senhor Fernando?”
“Entrai, entrai, que vocês devem estar cheios de fome.” Era bem verdade, já comíamos uma montanha!
À mesa corriam as crónicas de quem tinha acabado de subir a oitava maior elevação de Portugal continental e também as histórias do tempo dos verdadeiros pastores. Esses eram os avós, os pais e mesmo o senhor Fernando quando era gaiato, que hoje é carpinteiro e agricultor (diz, no entanto, que só nas horas vagas, porque os tempos agora são outros).
Não havia léxico suficiente para descrever tamanha honra desta partilha. A dedicação pelos animais e pela Serra de Montemuro transbordava por toda aquela composição artística de todas as eras, e de nenhuma de tão única. A madeira crepitava na lareira e a sobremesa eram bolinhos de abóbora acabadinhos de fazer. Estava a compor-se o cenário perfeito para ali continuarmos na amena cavaqueira ao invés de prosseguir viagem. Ou então, era certo que o regresso se fizesse a rebolar serra abaixo.
“Mais um empurrãozinho até lá acima, malta? Diz o mapa que vamos ter geocache!”
Não estava nada fácil deixar aquele monte olimpo. Contam os espíritos dos antepassados que já só chegámos ao cair da noite. O fim da linha foi em Marcelim, a aldeia observatório com vista para as cordilheiras montanhosas. Quanto à festa, fica o segredo bem guardado entre os solitários penedos de Montemuro, mas correm outras histórias pelos montes de uma malta tresloucada a voar ao luar numa pick-up de caixa aberta. Nós não confirmamos, mas que há gente muito feliz, há!
E quem é que nos tirou a vontade de repetir a dose no dia seguinte? Ninguém. Mas essa é outra Aventura para contar sob outro luar.
Montemuro, és a maior e tu bem sabias.
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Um muito obrigado ao senhor Fernando e à sua família pelo envolvimento no desenho deste programa, ao Grupo Lobo por continuar a partilhar connosco os seus bonitos projetos junto das comunidades em terras de lobos, à Câmara Municipal de Cinfães por nos abrir as portas da região e pelo apoio na promoção do nosso programa, ao André que fez um espetacular registo fotográfico durante toda esta aventura e a todos os elementos deste fantástico grupo que fizeram desta experiência inesquecível uma a repetir.
Um vislumbre, diretamente da cozinha artesanal de Montemuro: